Dra. Marlene Nobre*
Introdução
De início, eu gostaria de fazer um histórico do que o Espírito Dr. Bezerra de Menezes me disse no início de 1990, época do falecimento do meu marido. Trazia-me ele a incumbência, solicitada por Jesus, de formar a AME-BRASIL, Associação Médico Espírita do Brasil. Diziame que as AMES já estavam no coração de Jesus, entrelaçadas numa Instituição, e ele me pedia que a materializasse em nosso mundo. Vinha me trazer trabalho, especialmente porque sabia que a saudade do meu marido era muito dolorosa, mas que eu sem dúvida nenhuma
contemporizaria com o trabalho.
Acrescentava que era muito importante a criação desta entidade porque os problemas Bioéticos se tornariam extremamente importantes no mundo e que a Associação Médico-Espírita, ou a instituição que resultasse da união de todas as AMES, deveria fazer face a estes
problemas de uma forma espiritualista, porque o materialismo preponderaria principalmente quando nós tivéssemos que assumir uma luta intensa e marcadamente espírita.
A luta tem sido intensa no mundo todo e a preponderância do materialismo é algo bastante palpável, de modo que nós temos ventilado este assunto, ao longo destes 16 anos da fundação
da AME Brasil e ao longo das nossas tarefas na AME Internacional, exatamente como o Dr.Bezerra previa e agradecemos a Jesus a oportunidade de estarmos cumprindo uma tarefa pequenina mas que para o mundo espiritual, e para nós mesmos, no nosso julgamento, é
muito importante. O nosso objetivo é fazer face às terríveis idéias materialistas que tentam reduzir a vida humana a uma coisa.
A Bioética
A Bioética surgiu no mundo com Van Ran Seller, um importante oncologista dos Estados Unidos que criou o termo Bioética, a ética da vida. Por que se criou a Bioética? A ética, a moral para a ciência. Ela já existia, mas somente no campo da vida, a vida humana. Com os avanços da Biologia nós ficamos detentores de um grande poder, o poder Biotecnológico, que, por sinal, está na mão de poucos, os quais podem, inclusive, desencadear verdadeiros desastres para a humanidade se a utilização destes conceitos não forem moralmente aceitáveis.
A Bioética é definida como sendo o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, considerada à luz de valores e de princípios morais. Isto está na Enciclopédia de Bioética e foi estabelecido em 1978. É uma disciplina que comporta múltiplas disciplinas e o diálogo interdisciplinar. Ela não é patrimônio de uma única disciplina e há necessidade de um diálogo verdadeiro entre as diferentes disciplinas para que se chegue a
alguma conclusão no que diz respeito a este imenso poder Biotecnológico que avança no mundo à medida que a Biologia também se desenvolve.
Nós falamos em poder, falamos em interpretação, falamos em conceitos morais nos quais estão os fundamentos da Bioética. Muito bem, existem paradigmas, modelos que são seguidos por aqueles que se dedicam a estes estudos. Quais são os paradigmas, os modelos da
Bioética? Existem vários, nesta palestra vamos citar apenas dois paradigmas.
Paradigma Utilitarista
É o mais seguido pela escola Anglo-Saxônica e aqui, no nosso País, pela imensa maioria dos médicos. Este paradigma tem como pilares a ética dos princípios que estão contidos na Trindade Bioética. Que trindade é esta? O da beneficência, algo que vem do médico. Ele
visa o bem do paciente. Esta é a primeira pilastra. A segunda, a autonomia. A autonomia de quem? Do paciente. Passou-se a dedicar ao paciente maior atenção. Por quê? Ele pode determinar se quer ou não quer determinadas atitudes ou medidas quanto a sua saúde. Nisto
nós tivemos um grande passo mas, em contra partida, vamos ver os perigos que corremos Marlene Nobre – 20 de maio de 2007 Page 1 of 3com este modelo. A justiça, o terceiro pilar da trindade bioética é patrimônio da sociedade. A sociedade distribui os bens universais de serviços à saúde da população. Então, na trindade bioética nós temos: o médico, o paciente e a sociedade.
Neste paradigma o que prepondera é a qualidade de vida e não a dignidade de vida. O que significa isto? Para os que seguem este paradigma, o conceito de pessoa não é aplicável a embriões, nem a recém nascidos deficientes, nem a pacientes terminais. O que acontece na trindade bioética ou no paradigma utilitarista como um todo, é que o ovo ou zigoto, o embrião,o feto, o lactente, não é pessoa humana e os pacientes terminais também não são. Por quê?
Porque este modelo tem como base a qualidade de vida e não a dignidade humana. O ovo, o zigoto, os embriões, o feto, o lactente só vão ter dignidade a partir do momento em que o ser for auto consciente e que ele se coloca no mundo como pessoa com dignidade a partir da sua auto consciência. No paciente terminal, no paciente que está em coma, no paciente, enfim, que já não consegue manobrar sua própria vida, também não existe dignidade, porque não existe
qualidade de vida. A qualidade de vida para este paradigma é concentrada especialmente na questão da auto consciência. Diante disso, podemos fazer uma idéia do que os médicos brasileiros, na sua imensa maioria, pensam a respeito do assunto.
Paradigma Personalista
É o oposto do paradigma utilitarista. No paradigma personalista você tem a defesa da vida física como pilar da civilização. Tem a liberdade e a responsabilidade, ou seja, o paciente não é mais um objeto, ele pode opinar. Nele existe o bem do paciente, a terapêutica e a sociabilidade, ou seja, existe o dever de solidariedade que faz parte da sociedade. Estes são os princípios do paradigma personalista.
O pensamento da bioética personalista é seguinte:
“Todo ser humano vivo ainda que não tenha desenvolvido suas potencialidades, como no feto ou no recém nascido, ou que as tenha perdido, como em certos casos de demência, especialmente graves, goza do direito da dignidade da vida e deve ser respeitado”.
O modelo personalista é o modelo dos espiritualistas, que consideram, como Platão e Aristóteles, que a dignidade da vida é dada pela alma. A alma que anima o zigoto. Tudo que decorre daí diz respeito à dignidade do ser humano, porque é a alma que o conduz. Todos os espiritualistas estão, em tese, regidos por este paradigma, por este modelo.
Paradigma Personalista Espírita
Por sermos espiritualistas, nós espíritas, nos enquadramos no Paradigma Personalista, porém, vamos mais além. Nesse enfoque, para nós, espíritas, o importante é a origem da vida e a reencarnação. Se nós admitimos a reencarnação, a vida é muito anterior a esta atual e
exatamente por ser muito anterior ela deve mais do que respeitada. Na vida há um propósito da natureza cujo objetivo maior é a evolução espiritual. Para o espírita é importante a origem da vida, como ela se deu, como foi o desenvolvimento do Espírito através dos milênios, porque é na individualização do Princípio Inteligente que nós vamos buscar as múltiplas expressões da vida física até que ela surja definitiva ou completamente desenvolvida no corpo humano.
Francis Collin, quando terminou a primeira parte do projeto genoma, disse,: “A complexidade do ser humano surgiu de alguma outra fonte pela qual devemos começar a procurar”. Que fonte é esta? De onde vem a diversidade humana? A diversidade do macaco e a diversidade
entre os próprios seres humanos? Kreik Venter, que fez parte dos trabalhos do Projeto Genoma, diz: “há duas falácias a serem evitadas: o determinismo – a idéia de que todas as características de uma pessoa estão impressas no Genoma e o reducionismo – a idéia de que agora a seqüência humana é conhecida por completo. Será apenas uma questão de tempo até que a nossa compreensão das funções e das interações dos genes forneçam uma descrição causal completa da variabilidade humana”. Vemos assim, que os genes não estão explicando tudo. E o feto? Ele é inteiramente dependente da mãe? Este ser tem um genoma completamente diferente da mãe. Ela contribuiu sim, com sua parte, mas este novo ser é independente da mãe. Aquilo que é colocado como direito da mãe de decidir é até uma piada, Sinceramente. É um pseudo direito. Porque na verdade ela é hospedeira, não é a dona do embrião. O feto possui uma psique própria?
Seria casual o arranjo das partes de uma célula? O Dr.Michel Behe tem um livro interessantíssimo que se chama “A caixa preta de Darwin”. Neste livro ele diz claramente o que todos nós espiritualistas sabemos, dele e de outras pesquisas. O que? Que existe um arranjo intencional nas partes de uma célula. Vocês já imaginaram? Tem um lugar na célula que forma proteína, tem um lugar onde ficam os genes, as proteínas mandam respostas ou mandam pedidos para os genes que estão dentro do núcleo, o núcleo obedece e manda
proteínas para os genes que estão fora. É algo tão extraordinário como nenhuma fábrica no mundo é capaz. Como é que reduzem isso a um nada? Como é que dizem que este fenômeno da vida é nada! Por isso Pasteur tinha razão quando ele disse: “Quanto mais ciência, mais
nos aproximamos de Deus. Quanto menos ciência mais nos afastamos dele”.
Sendo assim, nós perguntamos: o que é pessoa na visão espírita? Respondemos: A vida é um bem outorgado por Deus. O indivíduo não pode dispor dela. A vida do bebê ou do feto não pertence à criança, a criança não pertence ao governo, não pertence ao médico, não pertence à equipe médica, nem ao pai, nem a ninguém. A vida é algo entre o ser e o Criador. Nada mais. Não compete a ninguém interferir neste laço sagrado. O médico espírita sabe muito bem disso por isso ele não intervém neste bem incomensurável, indisponível, que é a vida. Ele sabe que a alma é uma dignidade intrínseca de origem divina. O instante da concepção é um novo projeto existencial, mas a vida já existia antes.
Chico Xavier, no seu “Evangelho segundo Chico Xavier” nos diz: “Sem Deus no coração as futuras gerações colocarão em risco a vida no planeta. Por maior que seja o avanço tecnológico da humanidade, impossível que o homem viva em paz, sem que a idéia de Deus o inspire na suas decisões”.
Concluindo, nós repetimos, a vida é um bem outorgado por Deus, um bem indisponível. É isto que nós médicos espíritas entendemos e procuramos obedecer, sobretudo ter como sagrado a vida do outro e a nossa própria vida.
Muito obrigada!”
*Dra. Marlene Nobre é presidente das associações médico-espíritas do Brasil .