Ciências médicas abrem espaço para inclusão da espiritualidade

(COM CIÊNCIA*, Por Dra. Daniela Klebis)

Uma técnica de intervenção terapêutica para pacientes em estágio terminal aponta, com aporte científico, que a espiritualidade pode ajudar a aliviar o sofrimento de quem está próximo da morte. O método, publicado no final de junho deste ano, no periódico britâncio The Scientific World Journal, foi o tema da tese de doutorado “Programa de treinamento para profissionais de saúde sobre a intervenção terapêutica: Relaxamento, Imagens Mentais e Espiritualidade (Rime) para re-significar a Dor Espiritual de Pacientes Terminais”, da psicóloga Ana Catarina Araújo Elias, apresentada no final do ano passado, na Unicamp. O estudo dá força a uma tendência que, embora ainda muito polêmica, vem ganhando espaço no meio acadêmico na última década: a inclusão da espiritualidade nas pesquisas científicas da área da saúde.

O crescente interesse da área médica pela espiritualidade também foi destacado no Seminário Internacional “Espiritualidade no cuidado com o paciente”, organizado pela Associação Médico-Espírita (AME) do Brasil, em São Paulo, em maio de 2005, por Harold G. Koenig, médico da Universidade de Duke, Estados Unidos. Segundo ele, entre 1908 e 1982 foram publicados apenas 101 artigos médicos sobre espiritualidade e/ou religiosidade. De 2002 a 2003, este número aumentou para mais de mil, e entre 2003 e 2005 surgiram mais 1.798 artigos sobre o tema.

Uma rápida busca no site do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde (Bireme), o maior banco de dados de literatura em saúde da América Latina, confirma essa transformação: mais de mil estudos relacionados à espiritualidade estão registrados no banco de dados desde 1993. Antes disso, nenhum trabalho foi publicado em língua portuguesa. Cruzando as palavras-chave “spirituality” e “health” (espiritualidade e saúde, em inglês) encontramos apenas vinte trabalhos entre 1966 e 1992, ao passo que entre 1993 e 2006 mais de 500 novos estudos foram publicados sobre o tema. Entre os vinte primeiros trabalhos, o mais antigo registrado é de 1984.

Reinaldo Ayer, conselheiro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), não acredita, no entanto, que esteja havendo uma mudança de padrões nas ciências médicas. “Não tenho a visão de que o ambiente das ciências médicas seja tão cético”. Segundo ele, tratar do doente em sua integralidade sempre foi e sempre será o paradigma de definição da ação do médico. “Na construção da relação médico-paciente não são somente os aspectos técnicos da medicina que devem ser considerados. Há seguramente um envolvimento de afetividade e empatia que se constituem em coisas do espírito”. Atitudes como respeito ao outro, acolhimento, participação de familiares, conforto, atenção às necessidades espirituais dos doentes trazem, de acordo com Ayer, “força” para enfrentar situações de grande adversidade como, por exemplo, a morte.
Avaliando o medo e o sofrimento
Nancy Mineko Koseki, oncologista clínica e coordenadora da Unidade de Cuidados Paliativos do Centro de Atenção Intensiva à Saúde da Mulher (Caism), na Unicamp, afirma que embora reconheça-se que a dor espiritual afeta a dor física, os médicos ainda centralizam sua atenção no alívio da dor do corpo.“O que nós observamos na área médica é a preocupação com a cura da dor pelos remédios. A sedação do paciente terminal é muito comum nas enfermarias. Acredito que uma intervenção terapêutica como a Rime ajudaria a humanizar esse cuidado, reduzindo a necessidade dos medicamentos”.

A Rime é uma técnica de relaxamento e visualização de imagens mentais que tem como objetivo re-significar a dor espiritual, promovendo maior qualidade de vida no processo de morrer. O paciente é induzido a visualizar seres espirituais bondosos e acolhedores, paisagens celestiais, lugares bonitos e aconchegantes. Todos esses elementos da espiritualidade tiveram como base os relatos dos pacientes que passaram por uma “Experiência de Quase Morte” e voltaram a viver normalmente.

“Pacientes terminais sabem intuitivamente que estão morrendo e precisam expressar sua dor e serem compreendidos, por esta razão o ideal seria não dizer ao doente que ele está morrendo e sim, procurar ouvi-lo”, ressalta Ana Catarina Elias.

A técnica começou a ser desenvolvida em 1998, quando a psicóloga, ao realizar um trabalho com crianças e adolescentes com câncer em fase terminal, percebeu um sofrimento psicológico e espiritual relevante. “Denominei este sofrimento de ‘Dor Simbólica de Morte’, representado pela ‘Dor Psíquica’ (medo do sofrimento e humor depressivo manifestado por angústias, tristezas e culpas) e pela ‘Dor Espiritual’ (medo da morte, medo do pós-morte, idéias e concepções negativas em relação ao sentido da vida e à espiritualidade e culpas diante de Deus)”, explica. Em sua tese de doutorado, a pesquisadora operacionalizou o treinamento da Rime para profissionais de saúde.

O método, no entanto, apresenta limitações. De acordo com a pesquisadora, ele só pode ser aplicado por profissionais que acreditam na vida espiritual pós-morte e pacientes que também tenham esta crença: “pacientes que não acreditam na vida pós-morte devem ser atendidos pelos métodos convencionais”.

* COM CIÊNCIA, Revista eletrônica de jornalismo científico da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência:
www.comciencia.br/comciencia/?section=3&noticia=156

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