Pensando a dependência química

Roberto Lúcio Vieira de Souza

Vivemos em um mundo cheio de crises nas mais diversas áreas. Situação que não poderia ser diferente, tendo em vista que vivenciamos um tempo de transição, no qual quaisquer tipos de valores deverão ser aferidos, na chamada separação entre o trigo e o joio, possibilitando o desaparecimento daquilo que não mais interessa para a evolução planetária. Assim, só restarão os princípios e os elementos imprescindíveis para viabilizar o mundo de regeneração, tão propalado no movimento espírita.

É fundamental, portanto, desvincular-nos daquilo que já não é mais útil, ligando-nos aos padrões mais nobres nos mais variados campos de ação do espírito, na construção do homem novo, na busca da angelitude.

A dependência é uma dessas vivências que amarram o espírito às situações de inferioridade, não nos permitindo alçar voos maiores, mantendo-nos ligados a este mundo de provas e expiações.

A dependência química, vinculada às mais diversas substâncias usadas pelo homem, capazes de alterar nosso comportamento de forma patológica, reflete a fragilidade do espírito que, se sentindo de menor valia, busca, no exterior, aquilo que acredita não ter em si mesmo.

Infelizmente, tais atitudes são vivências de prazeres imediatos e fugazes, com resultados devastadores, porque a real e importante necessidade do ser é o Amor divino, que o espírito só é capaz de viver e sentir na sua real ligação com o Criador. E levam muitos indivíduos ao próprio extermínio, numa forma direta ou indireta de suicídio.

As drogas ilícitas e as armas têm proporcionado altos lucros comerciais no âmbito mundial, pois o tráfico movimenta valores que transcendem os recursos disponibilizados pelas maiores nações para governarem seus territórios.

A sociedade em geral tem responsabilizado o Estado, em especial os setores administrativo e judiciário e a área da saúde, pela resolução de tais problemas. Esquece-se de que essas instituições são fruto dela mesma e que todo e qualquer problema começa na célula social, seja ela o próprio indivíduo ou o seu agrupamento mais primário – a família.

Ela exige que os dois primeiros setores eliminem o tráfico e o terceiro solucione todas as consequências físicas, emocionais e afetivas advindas da dependência química.

É importante frisar que, geralmente, quando se fala em dependência química, as pessoas imediatamente a associam com as chamadas drogas ilícitas.

No entanto, esse tipo de dependência envolve, também, o álcool, o tabaco e os medicamentos psicotrópicos, em especial, os barbitúricos, ansiolíticos, determinados xaropes e as anfetaminas – medicações usadas para inibir o apetite e para tratar a hiperatividade.

Na realidade, as drogas que causam os problemas mais graves de saúde pública mundialmente não são as ilícitas. Temos no álcool e no fumo os grandes vilões dessa situação, visto que a dependência do cigarro é uma das mais difíceis de ser abandonada e é causadora de doenças crônicas, irreversíveis e fatais – inclusive, para os que não usam, mas convivem proximamente com os viciados, os fumantes passivos.

Todo esse processo de dependência é fruto de uma crise moral.

Primeiro, do ponto de vista do tráfico, vive-se, hoje, uma postura de hipocrisia. Voltam-se os olhos para aqueles que diretamente atuam na distribuição das drogas, fingindo-se não saber que os verdadeiros senhores desses cartéis fazem parte de uma porção privilegiada socialmente, muitas vezes, ocupando cargos políticos e públicos, de onde simulam combater o comércio ilegal, ou ainda vivem nababescamente das propinas para não impedir o tráfico.

Na década de 1970, trabalho publicado por uma instituição não governamental denunciava que 45% dos lucros auferidos com o tráfico de drogas, no mundo, eram direcionados para subornar governos, profissionais do Judiciário e a polícia.

No caso das drogas chamadas lícitas, em especial o fumo e o álcool, os tributos pagos pelos fabricantes e pelos que as comercializam, ultrapassam em dois terços o valor final do produto ao consumidor e são importante fonte de renda para os governos.

Ambos os valores andam na casa dos bilhões de dólares, em todo o mundo, ultrapassando o Produto Interno Bruto (PIB) da maioria dos países. É querer acreditar muito que essa casta de pessoas que vivem desse tipo de comércio abrirá mão, por si mesma, dos imensos ganhos que a sustenta. Se a sociedade não se organizar e atuar nos pontos reais dessa situação, vai se continuar na mesma condição, até que haja uma intervenção do mundo superior, certamente de consequências mais profundas.

Do ponto de vista da patologia, a visão social é ainda paliativa e, geralmente, os indivíduos só se lembram dos verdadeiros e reais cuidados quando a própria pessoa ou algum ente querido já se encontra em situação de dependência, fase na qual os resultados dos tratamentos são bastante pobres.

Nesse sentido, costuma-se pensar que o afastamento do dependente do objeto ao qual está viciado é o suficiente para curar a dependência. O que se vê, infelizmente, é o contrário: o primeiro contato, em especial com as drogas lícitas, é feito em casa e direcionado pelos genitores, que mantêm, apesar do surgimento da patologia no lar, essas substâncias no ambiente familiar.

Muito embora os estudiosos sérios do tema saibam que a problemática não é o objeto, mas a condição psicológica do dependente, a abordagem de forma geral está vinculada à substância ou situação viciante, negligenciando-se, na maioria das vezes, o aspecto individual e as condições e posturas psicológicas e éticas do viciado.

Dentro dessa abordagem, desconhece-se ou se esquece de que a condição viciosa é íntima e antecede ao vício. Na verdade, muitos estudos já caminham para o campo da conclusão da existência de fatores genéticos, os quais, se sabe, pelos estudos da Doutrina Espírita, são frutos das ações pretéritas da criatura em vidas passadas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) traz, no conceito de saúde, as dimensões física, psíquica e social. Acrescentamos a elas a dimensão espiritual, lembrando que, na perspectiva espírita, temos a Essência Espiritual, ou o espírito propriamente dito, e o seu corpo espiritual, denominado, por Allan Kardec, de perispírito, que serve de molde para o corpo físico.

A viciação é uma doença espiritual, como descrito anteriormente, e é fruto da insegurança do ser. Um posicionamento anômalo da criatura em sua caminhada, durante a qual o desejo de transcendência sai do lugar verdadeiro, que é a sua realidade íntima no encontro com o seu Criador, e se encaminha para objetos ou situações externas, as quais se caracterizam pela possibilidade de um prazer fugaz e imediato, mas sem condições de levá-lo ao crescimento necessário. Prazer este incapaz de alimentar o espírito de forma adequada, pois nosso verdadeiro alimento é o Amor Divino. Só no encontro com Deus, por meio da vivência integral das Suas Leis, alcançamos o prazer maior, o êxtase dos místicos, que nos promove até a conquista da Felicidade.

A dependência química é uma condição patológica, caracterizada por uma necessidade incoercível da pessoa de utilizar a substância pela qual se viciou, com aumento progressivo da quantidade para obter o mesmo efeito que sentia anteriormente (tolerância), com a perda paulatina da capacidade laborativa e relacional, devido à necessidade de viver em função do uso da droga, com um comprometimento orgânico que pode chegar ao óbito.

Assim, a dependência química leva a um comprometimento do ser em suas mais diferentes dimensões. Tem como origem esse sentimento de insegurança íntima, a partir do afastamento da criatura das Leis Divinas, levando a alterações nas diversas estruturas comandadas por sua essência espiritual. Entretanto, o abuso dessas substâncias, que adoece a dimensão física de forma particular, conforme a droga, agride e compromete o espírito em suas emoções, em suas relações interpessoais e em seus componentes energéticos, pertencentes ao corpo espiritual.

As ações danosas dessas substâncias lesam os órgãos físicos, reduzem a capacidade de funcionamento do organismo, tiram a sua vitalidade, dirigindo-se para patologias graves ou óbito. Esse ato é entendido pelas leis maiores como uma forma de suicídio, que leva o indivíduo a assumir uma responsabilidade de reorganização e reparação dolorosa, por um tempo que só a consciência pessoal é capaz de determinar.

Pela perda da capacidade de controle e a necessidade constante do uso, o dependente passa a viver focado na aquisição da droga. Por causa disso, deixa os demais interesses e abandona progressivamente os laços familiares e sociais. Se trabalha, o faz para adquirir o objeto do vício; se já não consegue trabalhar, age de forma complicada para consegui-lo, chegando a roubar e matar para não ficar sem a droga. Ocorre um empobrecimento afetivo e intelectivo, uma queda social, vivendo, muitas vezes, no campo da marginalidade. Ele perde o sentido da dignidade humana.

A dependência química não se limita a esses aspectos, segundo esclarecem os espíritos que orientam o conhecimento espiritual. Tais substâncias não atuam apenas nas estruturas orgânicas, com as repercussões acima citadas. Afirmam eles que essas drogas têm uma parte energética, etérea, que atua de forma patológica nos corpos espirituais.

Por um lado, ocorre uma repercussão nos órgãos do corpo espiritual, de acordo com as estruturas físicas comprometidas pelo vício. Essas lesões demarcam energeticamente o corpo espiritual e produzem, na vida espiritual, os sofrimentos relatados pelos espíritos viciados e que se manifestam nas reuniões de intercâmbio mediúnico; e numa reencarnação posterior, determinam as predisposições do espírito a certas doenças e a repetição da atitude viciosa.

De outra forma, o abuso dessas substâncias pode destruir as barreiras energéticas que mantêm as lembranças de vivências pretéritas desligadas da memória do corpo físico ou que impedem a percepção do mundo espiritual, colocando a criatura numa condição de patologia mental, em que surgem alucinações e delírios, conforme a visão da psicopatologia, constituindo-se nas psicoses causadas por essas substâncias.

Esse processo é uma emissão de pensamentos e emoções adoecidas, que são, na verdade, ondas de pensamentos conturbadas, as quais atraem outras criaturas, encarnadas ou desencarnadas, na mesma sintonia, produzindo os processos obsessivos.

A situação obsessiva pode ocorrer por afinidade, quando os espíritos que se vinculam o fazem por ter interesses semelhantes; ou por vingança, quando o dependente tem uma história anterior de agressão àquelas entidades que se juntam a ele no sofrimento, acreditando fazerem justiça, em ressarcimento pelo passado criminoso.

Diante de tudo isso, fica clara a necessidade do tratamento integral do ser no que se refere à dependência química, de modo a reduzir os danos nos mais diversos níveis de manifestação do espírito.

A partir dessa abordagem mais profunda da viciação, fica óbvio o motivo que inspirou os criadores dos Alcoólicos Anônimos a enfatizarem que os primeiros passos para vencer a dependência são: a constatação efetiva da pequenez da criatura diante da grandiosidade da vida e do seu Criador (humildade) e a necessidade do reconhecimento de um Ser Superior (Deus), fonte única da força imprescindível para a transformação.

Sem se prender às terapêuticas utilizadas pelas diversas especialidades que atuam no campo da dependência química, cujo conhecimento é tão divulgado pela mídia, enfatizamos a terapêutica espírita, que tem a sua base maior na reforma íntima, através da evangelhoterapia e do autoconhecimento. Nesse campo, a Doutrina Espírita ainda oferece as terapias energéticas e de fonte mediúnica como instrumento da redução dos danos causados pela dependência, agindo naquelas estruturas ainda desconhecidas pela ciência oficial.

Concluindo, afirmamos que só o Amor é verdadeiramente o remédio que nos leva à condição de saúde real ou felicidade e Ele – o Amor – só é vivido em sua plenitude na relação com o próximo e com Deus.

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