Caminhos Retos
“E ele lhes disse: Lançai a rede para a banda direita do barco e achareis” (João, 21:6)
Ao comentar a lição do Cristo, Emmanuel assevera* que a vida de todos nós deveria se constituir em rigorosa observância dos sagrados interesses de Deus. Para o mundo atual que cultiva o individualismo e o hedonismo, essa recomendação soa estranha. Onde a liberdade e o livre arbítrio? Onde o “direito” ao gozo e às alegrias do mundo, perguntariam muitos.
Um dos precípuos objetivos das associações médicos-espíritas é realizar a integração da ciência à espiritualidade, ou do conhecimento espiritual às ciências do mundo. E isso não significa apenas conduzir pesquisas que confirmem a grandeza e a correção dos postulados de nossa doutrina. Também pode significar colocar um olhar científico, vestir com a linguagem do pesquisador aquilo que nos foi dito com uma linguagem religiosa, que toca ao coração. Pois ciência e religião, como sabemos, diferem mais na forma, do que nos objetivos que as animam: conhecer as Leis da Natureza, ou dito de outra forma, conhecer as Leis de Deus. A diferença de maior relevância reside na amplitude do que se considera o universo natural: para a ciência convencional, é apenas o mundo da matéria e da energia, detectável pelos sentidos ou por instrumentos ultramodernos; para as religiões, o universo moral, o reino do espírito, o mundo causal, como se queira chamar.
Quando falamos em Leis, nos vêm à mente dois tipos de conceitos muito distintos. Primeiro, as leis da natureza, como aquelas descritas pela física e pela biologia, que se cumprem a todo o momento e ninguém duvida da sua eficácia. Segundo, as leis sociais ou do direito, criadas pelos homens e que já não nos transmitem essa ideia de justiça real, de infalibilidade, muito pelo contrário. Pois a Lei que rege os nossos destinos, que regula toda a nossa caminhada espiritual, é do primeiro tipo. Mas uma Lei de tipo superior, que se aplica ao universo moral, pois o nosso é um universo moral. Ela não pode ser testada em laboratórios da ciência, mas perfeitamente verificável no laboratório da vida, em que todos nos movemos. Essa Lei expressa a vontade perfeita e estável do pensamento de Deus, assim como as leis da termodinâmica ou da eletricidade. A Lei de Deus é um fundamento do universo, sua estrutura fundamental e toda evolução espiritual que nos cabe atingir depende de compreender os seus meandros, de senti-la profundamente em nossas almas e de aderir a ela conscientemente e voluntariamente. Todas as experimentações que o espírito faz em sua peregrinação, do átomo ao arcanjo, constitui o processo pedagógico da vida para fixar em nosso espírito os códigos dessa Lei Divina. Mas nós temos o livre arbítrio, que nos permite prorrogar, postergar a adesão a essa lei através da revolta, quando o homem resolve agir por conta própria, escolher outras direções, outros caminhos, em busca da sua felicidade, como se o homem soubesse, na sua loucura, mais do que o próprio Deus. Mas a Lei preconiza que o homem sofra as consequências ditosas ou danosas de suas escolhas, sendo perfeitamente livre no vasto campo da semeadura, mas jamais gozando da mesma liberdade na colheita. Surge assim a dor, resultado de quem se afasta do caminho reto. A dor torna-se tão insuportável que o próprio homem rebelde deseja ver-se livre dela e corrige sua rota evolutiva em direção aquele determinado, e o filho pródigo retorna a casa do Pai. Vê-se assim que Deus não quer a dor, mas deixa-a como consequência natural das escolhas humanas, como mecanismo reparador de trajetórias evolutivas em desalinho. Assim funciona o mecanismo pedagógico Divino, que é infalível e conduzirá todos os homens ao seu seio, pois nenhuma ovelha poderá se perder. Assim, a perfeição, a felicidade, o amor são os destinos de todos nós, mesmo o mais recalcitrante dos espíritos.
Em tempos de absoluta inversão de valores, em que há um geral enaltecimento do que é errado e absurdo, do que ofende e constrange ao bom senso e à sensibilidade, em todas as áreas da atuação humana, das artes à política, a lembrança da lição do Cristo é verdadeiramente reconfortante. Saibamos estender nossa rede de interesses para a banda direita dos caminhos retos, colocando nossas vidas verdadeiramente a serviço do Pai, apressando nosso passo sem mais perdas de tempo com as ilusórias promessas do mundo.
*Caminho, Verdade e Vida. Francisco Cândido Xavier. FEB, 1948.
Paulo Rogério D. C. Aguiar é 2º tesoureiro da AME-Brasil e presidente da AME-Rio Grande do Sul.